quarta-feira, 24 de setembro de 2014

EDUARDO GONZALEZ ADVOGADO

Empresa também pode ser consumidora sob a ótica do CDC
Compartilhar
Duas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) semanas atrás sinalizaram, mais uma vez, que as empresas podem se valer do Código de Defesa do Consumidor (CDC) quando estiver no papel de consumidoras, isto é, quando adquirirem um bem ou serviço como destinatário final, independentemente do porte da companhia. Só que não basta o fato de não incorporar em sua cadeia de consumo o objeto ou serviço adquiridos e apresentou com vício. Terá de comprovar sua vulnerabilidade jurídica, técnica, de informação e econômica (artigo 4º).

Uma das decisões foi sobre a negativa de pagamento de indenização por parte de uma seguradora a uma loja de revenda de automóveis que teve um dos veículos furtado dentro do estabelecimento. A Terceira Turma do STJ, em decisão unânime, reconheceu a aplicabilidade do CDC no caso, uma vez que a empresa contratou seguro para proteger os veículos. “Neste caso, o STJ entendeu que a empresa contratou o seguro como destinatário final e por questão patrimonial. O serviço não integrou a cadeia de consumo. Ela contratou para resguardar seus bens”, explica Vinícius Zwarg, advogado e especialista em defesa do consumidor do escritório Emerenciano, Baggio e Associados.

Na outra situação, a mesma Turma do STJ garantiu que a ação de responsabilidade civil de uma empresa de incorporadora de imóveis, que comprou um helicóptero para uso de funcionários e este apresentou vício, fosse proposta no domicílio da incorporadora, conforme garante o CDC em seu artigo 101, que integra o capítulo que trata das ações de responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços. Tal decisão favoreceu a empresa compradora, de Curitiba (PR), que não precisou se deslocar para Belo Horizonte para discussão em juízo.

No caso do helicóptero, Paulo de Tarso Sanseverino, ministro relator da ação, entendeu que, “conforme restou consignado no acórdão recorrido, a aeronave foi adquirida para atender a uma necessidade da própria pessoa jurídica (deslocamento de sócios e funcionários), não para ser incorporada ao serviço de administração de imóveis”. As partes ainda podem recorrer desta decisão.

Lei define o que é consumidor e o que é fornecedor


O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 2º, define como “consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Outras definições sobre o que é consumidor podem ser lidas nos artigos 17 e 29. Já o que é fornecedor, produto e serviço está explicado no artigo 3º.

A habitualidade é que define a relação de consumo. Sob a ótica do CDC, jamais será considerada relação de consumo a venda de um computador por uma pessoa que não tem a habitualidade de vender esse equipamento. Nessa situação, nenhuma das duas partes pode ser considerada fornecedor ou consumidor e se houver algum conflito não poderão ajuizar ação com base no CDC. “Resumindo, para se ter relação de consumo é imprescindível haver consumidor e fornecedor, produto ou serviço, habitualidade e o item adquirido ser para destinatário final”, explica o advogado Vinícius Zwarg.

Nos casos acima, enfatiza Zwarg, as duas empresas adquiriram o serviço (seguro) e o produto (helicóptero) para uso próprio. “Empresa, portanto, pode ser destinatário final e se valer do CDC.”
Direitos

Mas há outros elementos que precisam ser analisados para que uma pessoa jurídica tenha os mesmos direitos de um consumidor comum. A vulnerabilidade jurídica, técnica, econômica e de informação. “A incorporadora de imóveis conhece bem o seu mercado, não um helicóptero. Então, se pode dizer que há vulnerabilidade”, diz o advogado.

As empresas vêm recorrendo ao Judiciário para terem o direito à aplicação do CDC em seus litígios como consumidoras finais por algumas vantagens que a lei oferece. Uma delas é discutir a pendência em seu domicílio. A outra, é a inversão do ônus da prova (artigo 6º), que estabelece que cabe ao fornecedor provar que o consumidor não está correto

O QUE DIZ O CDC


Artigo 3°
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Artigo 4º
A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

Artigo 6º
São direitos básicos do consumidor:
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Artigo 17
Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Artigo 29
Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

Artigo 101
Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II deste título, serão observadas as seguintes normas:

I - a ação pode ser proposta no domicílio do autor. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário